Você acha que a maioria das mulheres brasileiras prefere a cesariana ou o parto normal? Você sabe qual a relação entre as cesarianas desnecessárias e o aumento dos problemas de saúde materna e neonatal? E sabe de que forma o uso das falsas justificativas que os médicos têm utilizado para induzir uma cesariana desnecessária (cordão enrolado no pescoço, pequeno tamanho da mãe, grande tamanho do bebê, entre tantas outras) têm contribuído para a perda da autonomia feminina?
Hoje vamos falar sobre isso, com a ajuda de um artigo muito importante que foi publicado em 2012 e que tem o título de “Reflexões sobre o excesso de cesarianas no Brasil e a autonomia das mulheres”, escrito por pesquisadores da Universidade de São Paulo.
É um artigo muito interessante, que menciona, inclusive, algo que tem a ver com essa nossa nova iniciativa: a importância do que temos feito na internet pela recuperação do direito de trazer nossos filhos ao mundo com respeito e de ser respeitada nesse momento.
O artigo fala sobre como o parto se tornou um evento quase exclusivamente medicalizado, ou seja, dominado pelo saber médico, e que isso não é um evento isolado. Os sofrimentos e as dores humanas deixaram de ser vivências humanas e passaram a ser vivências médicas. Antes, quando sofríamos, esse sofrimento era vivido e administrado no interior das nossas famílias, nos nossos grupos de amigos, em nosso círculo pessoal. Hoje não. Hoje são administrados sob um prisma médico, sob o ponto de vista do “como posso deixar de sofrer o mais rápido possível”, ainda que artificialmente. Nossas famílias não são mais mobilizadas para lidar com nossos sofrimentos, nem nossos amigos, e estamos nos distanciando como humanos uns dos outros. E o parto segue essa mesma tendência…
É isso o que os autores querem dizer quando afirmam que “a medicalização transforma culturalmente as populações, com um declínio na capacidade de enfrentamento autônomo das dores e adoecimentos”. O problema, um dos grandes problemas, é que essa medicalização excessiva contribui para que as mulheres percam suas capacidades de lidar com o fenômeno do parto…
É por isso que, para muitas mulheres, se tornou inaceitável não saber o dia que o filho vai nascer ou não conhecer a intensidade da dor do parto. Hoje, queremos ter controle sobre tudo. E que riqueza de vida podemos ter se tentamos controlar todas as variáveis?
Se não nos permitimos surpreender pela beleza da vida?
Os autores do artigo a que me refiro mostram alguns dados importantes. Vejam:
Ribeirão Preto, SP (1994):
50,8% de cesarianas
12,5% de prematuridade
10,7% de baixo peso ao nascer
São Luiz, MA (1997-1998):
33,7% de cesarianas
12,6% de prematuridade
7,6% de baixo peso ao nascer
Pelotas, RS (2004):
45,4% de cesarianas
15,3% de prematuridade
10% de baixo peso ao nascer
Da observação disso, surge um questionamento.
Sabe aquele papo de que “cesáreas salvam vidas”?
Sim, isso é uma grande verdade, cesáreas salvam vidas mesmo.
Sempre?
Não.
Em determinadas situações, a cesárea deixa de salvar vidas e passa a representar risco de vida. Exatamente o contrário do que seria esperado…
Parece estranho, mas não é.
Em um país como o nosso, em que o atendimento médico oferecido à população, embora ainda não seja o ideal, vem melhorando de qualidade, tem havido redução progressiva da mortalidade materna e neonatal. Mas quando analisamos a relação entre o aumento de cesarianas e o aumento da prematuridade, ou entre o aumento de cesarianas e o aumento do número de bebês nascidos com baixo peso, torna-se fácil entender que, ao contrário do que o senso comum acredita, a cesariana tem representado mais riscos que benefícios, e isso justamente porque tem sido feita não como um procedimento de necessidade, mas de conveniência.
Então estamos colocando a saúde dos bebês e das mães em risco por conveniência?
Sim, estamos.
E o artigo ainda cita um grande autor (Illich) para afirmar que, sim, as instituições de saúde estão produzindo problemas de saúde. Afinal de contas, se prematuridade do bebê é um problema sério de saúde coletiva, e ela tem sido causada principalmente pelas cesarianas eletivas, então as instituições de saúde, na figura da equipe médica, são as responsáveis diretas por isso.
No entanto, em uma inversão muito cruel e perversa, a prematuridade, o baixo peso ao nascer e as outras más consequências do nascimento induzido prematuramente não têm sido associadas, pelo senso comum, à equipe médica, mas, sim, a uma falsa “incapacidade da mulher de dar a luz”. Não é cruel isso?! É muito cruel…
Não, amigos, a mulher não está incapaz de dar a luz.
Ela está se tornando incapaz de tomar, sozinha, suas próprias decisões justamente porque depositou sobre a medicina toda a responsabilidade pelo bom funcionamento do seu corpo. E – olha só que disparate! – é justamente essa medicina que tem promovido resultados bastante indesejáveis…
Por isso é tão importante que as mulheres enxerguem essa questão e retomem para si o poder de decisão sobre seu corpo, seus partos e sobre a vida de seus filhos.
Gravidez não é doença. Parto não é problema.
Está se tornando doença e problema por má conduta de assistência.
Se pode haver problemas durante a gravidez e o parto? Claro que pode! Mas numa pequena minoria das mulheres. A grande maioria passaria tranquila e felizmente por essa rica experiência.
Passaria, assim, nesse tempo verbal?
Sim, passaria. Não tem passado mais em função de tanta intervenção…
Esse mesmo artigo diz mais uma coisa de fundamental importância para as mães que, provavelmente, encontrarão um obstetra louco pra vender-lhes uma cesárea: os trabalhos estão mostrando um impacto terrível da cesariana eletiva sobre a capacidade respiratória dos bebês… Há evidências de alta incidência de complicações respiratórias e internação neonatal em UTI entre bebês de mulheres que não entraram em trabalho de parto. Isso é sério, muito sério. Se você, mãe, gestante, pode escolher, por que escolheria algo assim? Claro que não escolheria… Mães querem o melhor para seus filhos.
Por que, então, as mulheres assim o fazem?
Por que esse tipo de informação não é oferecida nos consultórios e nos pré-natais. Afinal de contas, que obstetra que funciona na lógica da conveniência daria informação à mulher que poderia tirar de suas agendas, e de suas contas bancárias, uma cesariana marcada?
O artigo do qual estamos falando cita ainda a grande pesquisadora de saúde materno infantil Simone Diniz, quando esta diz que, em nosso país, convivem dois extremos: “o adoecimento e a morte por falta de tecnologia apropriada, e o adoecimento e a morte por excesso de tecnologia inapropriada”.
De que vale ter lutado tanto, e ainda lutar tanto, pela redução das mortes maternas e neonatais no Brasil se nós, com nossa excessiva tecnologia, a estamos elevando novamente?
O artigo faz, ainda, três perguntas importantes, das quais destaco uma:
As mulheres brasileiras preferem cesariana ou parto normal?
Quando a gente vê uma taxa nacional de cesariana superior a 52%, temos o ímpeto de responder: AS BRASILEIRAS PREFEREM A CESARIANA!
Mas não preferem não!
De acordo com o artigo, estudos realizados sobre preferência da via de parto pelas mulheres no Brasil mostram que aMAIORIA PREFERE O PARTO NORMAL. Uma revisão sistemática, envolvendo 38 outros estudos, indicou uma taxa de preferência pela cesariana de apenas 15,6%, valor que aumenta entre mulheres com cesariana anterior e entre as que moram em países de renda média.
E sabe por que a MAIORIA prefere parto normal?
Dois dos principais motivos são: a recuperação mais rápida e a muito maior satisfação com a experiência de nascimento de seus filhos.
Ou seja, se você já ouviu médico dizer que “Faço porque elas pedem”, saiba que ele está mentindo. Há mulheres que pedem? Sim. Mas o que as evidências mostram é que elas são MINORIA.
Então, por que tanta cesárea?
Os autores do artigo afirmam que, de acordo com o Ministério de Saúde, essa quantidade absurda de cesarianas, principalmente nos serviços privados de saúde, tem várias razões. E uma delas é uma relação de desigualdade entre médico e paciente, que dificulta a participação das mulheres na decisão do tipo de parto.
Por que essa desigualdade?
Porque as mulheres acreditam que não têm informação suficiente para decidir por si e que o médico é a autoridade máxima.
Então, caras amigas, saibam: se há uma autoridade máxima em questões que envolvem seu corpo e seus filhos, é você.
E se te faltou informação… AGORA NÃO FALTA MAIS!
Corra buscar para suas próprias mãos o domínio sobre seu próprio corpo.
Como?
Primeiro: SE INFORMANDO. Sabendo tudo o que for possível sobre cesariana, sobre parto normal, sobre direito de escolha, sobre as reais indicações de cesárea, sobre as falsas indicações, sobre como identificar um profissional sem comprometimento verdadeiro com saúde materno-infantil, sobre as consequências do nascimento antecipado para seu filho, sobre os procedimentos do pré-parto, intraparto e pós-parto, conversando com outras mulheres também informadas.
Segundo: não se colocando em posição de passividade perante o profissional de saúde. Ele é um profissional como outro qualquer, formou-se como outro graduado qualquer, e o fato de ser de uma determinada área não confere a ele poderes de divindade. E estando em um mundo capitalista, que valoriza sobretudo a conveniência – financeira e de tempo, porque time is money – é mais provável que ele valorize a si próprio que a sua experiência como mulher capaz de trazer seu filho ao mundo.
Mulheres trazem filhos ao mundo. Profissionais apenas as auxiliam. Assim, a peça chave, a verdadeira protagonista desta história é A MULHER.
Desculpem-nos os patriarcalistas, mas essa é que é a verdade.
Se a você foram dados argumentos amedrontadores, peça segundas, terceiras, quartas, enésimas opiniões. Converse com outras mulheres. Vá atrás da informação, não espere apenas que ela venha até você.
Se você foi ameaçada com frases como “Se não marcarmos no dia tal, vai ter que arrumar outro médico”, arrume outro médico. Não, não é fácil. Mas por que você depositaria sua confiança em alguém que te ameaça dessa forma e não te respeita? Isso também não é nada fácil…
Pense em você e em seu filho.
E lembre-se!
A grande maioria das mulheres prefere um parto normal.
Entre as que dizem preferir uma cesárea, estão muitas mulheres que foram amedrontadas e diminuídas por uma cultura que reforça o trinômio sangue-dor-morte e a incapacidade feminina de lidar com sua natureza. Que foram expostas a dezenas de imagens reais e mentais de um parto que nada tem de normal, embora seja vaginal, a fim de reforçar uma cultura violenta, medicalizante, tecnocrática, intervencionista e machista de nascimento.
Mulheres podem. Mulheres conseguem. Mulheres querem.
E se, ainda assim, a grande maioria delas têem acabado na cesárea, algo de muito estranho está acontecendo aí.
Estranho, perverso e cruel.
Não se esqueça disso.
Ligia Moreiras Sena, também conhecida como a Cientista Que Virou Mãe.