A mulher no Brasil quando decide por ser mãe também é punida pela sociedade, seja pela falta de creches e uma licença parental que correspondam com as demandas existentes das mulheres e crianças, seja pela violência com que somos tratadas durante o parto. Pra mim no Brasil a mulher não decide se quer ser ou não mãe e quando e como será mãe e foi durante uma conversa em nossa lista que me dei conta o quanto diversos mitos são propagados e nós os reafirmamos como se fossem verdades inquestionáveis e por sugestão da Mari Moscou acabei por escrever este post. Talvez o grande primeiro mito tenha sido mais debatido por conta do parto da Gisele Bündchen no começo do ano passado: Se o parto em casa é arriscado ou não? A esta polêmica acredito que a Dra. Melania Amorim respondeu muito bem em artigo da mesma época, ela apresenta diversas comprovações científicas de que em gravidez de baixo risco o parto em casa é recomendado sim.
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O estudo mais recente publicado no British Journal of Obstetrics and Gynecology (2009) analisou a morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte de 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em casa enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao risco de morte intrapa rto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce (0,78% vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos (0,86% VS. 1,16%). O estudo conclui que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo-risco, desde que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema de referência e transporte. (AMORIM, Melania. Guia do Bebê)
Para além da polêmica do parto em casa ou não, acabamos envolvidas em diversas outras dúvidas e desinformações que nem percebemos primeiro por que não conhecemos as recomendações da OMS para a assistência ao parto e também não sabermos quais evidências nos levam a uma cesária necessária e quais não. Para mim o que há de mais violento no parto seja a episiotomia e todos os procedimentos que acabam justificando esta intervenção.
Quando a gente vai parir, por mais que saiba tudo, acaba ficando fragilizada e o médico nessa hora acaba detendo o poder se for um cara não humanista, não adepto do parto natural. A gente, sensibilizada pra caramba na hora, e sem ninguém que nos apóie, acaba baixando a cabeça e se submetendo às coisas que o médico define. Tenha muita atenção para isso!
Com relação à rotina de parir deitada e a vontade de não passar pela episiotomia, bom, não é loucura isso! De jeito algum. É possível. O que é fundamental para parir sem episiotomia e sem laceração grave é que o período expulsivo (isto é, “o momento que o bebê já está no canal de parto – a vagina – e está saindo dali, nascendo efetivamente”) seja SUAVE. É muito normal a mulher tomar anestesia (ou não), não saber o tipo de força fazer, se deve ou não fazer força, ficar desesperada, o médico apressado e inseguro, e na hora do expulsivo todo mundo querer que a coisa seja rápida.
Para ser rápido, o médico manda a mulher fazer força quando não precisa (o expulsivo não requer aquela força desesperada, se a mulher estiver numa posição mais vertical, por exemplo, aí é mais fácil ainda) e alguém sobe por cima da barriga da mulher pra apertá-la e o bebê sair logo. Na verdade isso é como uma bomba pro períneo! Por isso fazem episiotomia…
Para você saber, caso já não saiba, o nome desse ato de alguém subir em cima da barriga apertando-a pro bebê nascer logo é a tal Manobra de Kristeller (que eu acho uma violência sem tamanho! Passei por isso e odiei!!!). (Bartira)
Apesar do parto ser parte intrísseca a minha militância política, justamente por achar qu hoje no Brasil as mulheres não tem como escolher, a começar pelas altas taxas de cesárias que são feitas por aqui, elas beiram a quase 50% dos nascimentos realizados no Brasil e em hospitais privados este percentual varia de 70% à 90% dos nascimentos e este número ultrapassa em muito o considerado aceitável de nascimentos por cesáreas pela OMS. Além da grande maioria destas cesáreas são aquelas denominadas “desnecesáreas”, baseadas em mitos já desmentidos por evidências e pesquisas médicas.
Na verdade o que vemos é uma total falta de conhecimento das mulheres sobre o seu próprio corpo, há pelo menos 3 décadas temos ouvido sobre nossos corpos não servirem mais pra parir, pra fazer isso ou aquilo e mesmo assim são incentivadas a serem mães e afins. Ficamos grávida e aí? Entramos na neurose de que não vamos conseguir parir nunca na vida, de que não tem como fazer isso por serem são magras de mais ou gordas de mais, a mulher não confiar e conhecer seu próprio corpo ajuda muito a perpetuar o modelo de atendimento e assistência obstétrica que temos hoje no país, pois raramente conseguimos sentir o que aocntece dentro de nós, acabamos por nos desconhecer completamente. Mas pelo fato de termos poucos espaços para compartilharmos nossas experiências durante gravidez, parto e puerpério as dúvidas e os medos acabam persistindo de geração para geração, criando um círculo vicioso que só corrobora cada vez mais para a reificação da mulher: Não podemos gozar, parir ou decidir sobre nosso corpo, somos apenas um útero pronto para trabalhar.
O assunto é vasto, polêmico e não há como tratá-lo de uma vez só em um único post, hoje há em discussão a questão das obstetrizes e do curso da USP, fora as indicações do que faria uma cesárea necessária ou não. Porém acredito ser um tema de alta relevância para as feministas, pois assim como a legalização do aborto, a assistência humanizada ao parto também é direito ao nosso corpo e sendo assim não há como pensar que uma cirurgia é mais benéfico para a mulher e criança do que um evento natural.
Luka
Paraense, jornalista, mãe, feminista e socialista. Graduada em Jornalismo pela PUC/SP, foi militante e coordenadora da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) onde descobriu a importância de se lutar pela democratização da comunicação e sobre tudo contra a opressão de gênero. É colaboradora do Portal Diário Liberdade