Entram os médicos, saem as parteiras...
Foi em torno do início do século passado que o rápido desenvolvimento do parto industrializado se tornou patente. O fenômeno mais importante foi o aumento no controle do processo do parto por parte dos médicos. Na Grã-Betanha, a Lei das Parteiras, em 1902, estabeleceu vínculos oficiais entra a profissão da parteira e a profissão médica. Ela institucionalizou um papel subserviente da parteira em relação ao médico. O principal ímpeto de eliminar as parteiras se disfarçava no pretexto de melhorar a assistência. Porém, os reais motivos eram econômicos. As parteiras não apenas limitavam o volume de negócios para os médicos, mas uma vez que a clientela das parteiras tendia a ser pobre, o "material" com o qual as novas gerações de obstetras podiam ser treinadas também se reduzia.
Joseph DeLee, renomado professor de obstetrícia norte-americano, teve um papel proeminente no advento do parto industrializado. Foi autor de vários livros textos, um orador requisitado e inventor de muitas ferramentas obstétricas. No seu famoso artivo e discurso a colegas obstetras, feito em 1920 e intitulado: "O uso profilático de fórceps", ele observou que"o parto é um processo patológico". Ele recomendou o uso rotineiro do fórceps e a episiotomia em cada parto. Ele sugeriu que a " paciente" deveria ser sedada e que o éter deveria ser administrado.O tratado de DeLee foi de tanta influência nos EUA que, pela década de 30, a "obstetrícia profilática" já tinha se tornado a norma.
O "sono do crepúsculo"
Na Alemanha, no início do século, se começou a trabalhar uma mistura das drogas morfina e escopolamina. Várias mulheres norte-americanas estavam tão animadas com a perspectiva de um parto completamente sem dor que foram para Friburgo, na Alemanha, bem no começo da Primeira Guerra Mundial. Voltaram para promover o "sono do crepúsculo". A técnica consistia em prijmeiro injetar morfina, no começo do trabalho de parto, e depois escopolamina, o que fazia com que ela se esquecesse do que estava se passando, pois tratava-se de uma droga amnésica. Esta campanha foi tmão bem sucedida qe atraiu muitas mulheres ao hospital, tornando-as mais controláveis durante o trabalho de parto. Os partos se tornaram mais impessoais, os funcionários, acreditando que as mulheres nada iriam lembrar, tinham uma tendência a "ignorar as pacientes". Por outro lado, fazer com que todos os partos ficassem tão previsivelmente semelhantes quanto possível pode ter atraído as muolheres que desejavam um parto rápido e sem dor.
O parto tornou-se uma linha de montagem. O conceito de obstetrícia profilática promovido por Joseph DeLee, associado à popularidade do "sono do crepúsculo" explica porque o parto industrializado já havia se consolidado bem antes da Segunda Guerra Mundial, pelo menos nos EUA.
A industrialização do parto entrou numa nova fase em meados do século XX. Isto se deveu a uma série de avanços técnicos e tecnológicos. Na década de 50, a técnica moderna da cesariana de incisão baixa substituiu, pouco a pouco, a clássica. O princípio da nova técnica era de fazer a incisáo uterinahorizontal, no nível do chamado "segmento baixo", que aparece e se desenvolve no final da gravidez: anteriormente a incisão uterina era vertical no corpo principal do útero. Essa nova técnica cirúrgica, associada ao advento de métodos de anestesia pós-guerra; à organização de transfusões de sangue à disponibilidade antibióticos, transformaram a cesariana numa operação confiável. Em 1910 a taxa de cesariana nos EUA era em torno de 0,2%. Apesar de avanços tão espetaculares, até a década de 60, o índice de cesareanas não aumentou de forma drástica, era em torno de 5% em 1968.
Na década de 70, os partos hospitalares se tornaram a norma e um grande número de obstetras autônomos e cirurgicamete treinados começaram a exercer sua profissão com uso de monitores fetais eletrônicos na sala de parto. Cada vez mais uma rede complexa de tubos e fios em torno da parturiente, com infusão de ocitocina sintética, o hormônio necessário às contrações uterinas. O ambiente das salas de parto estava transformado, as mulheres passaram a dar a luz num ambiente eletrônico.
No final do século XX, no auge da era eletrônica, a história do parto industrializado deu outro passo. Desenvolveu-se a anestesia peridural. Antes da década de 80, a técnica já estava estabelecida, mas haviam obstáculos de ordem prática para sua utilização generalizada. Os anestesistas haviam sido treinados originalmente para possibilitar operações cirúrgicas, mas não para intervir durante um processo fisiológico. Além do mais, a prática da anestesia peridural consome tanto tempo em horas imprevisíveis do dia ou da noite, que pouquíssimos hospitais podiam oferecer um serviço por 24 horas diśrias. Foi por isso que o desenvolvmemnto rápido da anestesia peridural teve que esperar até a década de 90, quando se dispunha de um número suficiente de praticantes, e também quando as técnicas mais sofisticadas de "peridural deambulante" haviam sido avaliadas.
No raiar do século XXI, apenas maternidades grande podem oferecer um serviço baseado na presença de obstetras, anestesistas e pediatras 24 horas por dia. É por isto que, na Europa Oidental, o número de partos por dia é, em média, de 10 ou mais em muitos hospitais, enquanto que no continente americano pode ultrapassar 20. Investimentos enormes têm sido necessários, frequentemente, pra projetar e construir maternidades suficientemente grandes.
A concentração nos grandes hospitais não é a única característica do parto industralizado. Também existe uma tendência notável rumo ä padronização. "Rotina" e "protocolos" representam palavras-chave na obstetrícia moderna. Na cabeça de muita gente, além do parto por cesariana, que pode ser planejado ou decidido durante o trabalho de parto, existe um parto "normal" quase padronizado. No caso de um parto "normal", a mulher recebe uma peridural e ocitocina intra-venosa, enquanto o bebê é monitorado eletronicamente. É normal que um tubo seja inserido pera uretra para esvaziar a bexiga. Durante as utimas contraṍes, a utilização de uma ventosa (ou fórceps) é associada a uma episiotomia. No momento preciso em que o bebê nasce, administra-se uma droga rotineiramente para contrair o útero, permitinto a expulsão segura da placenta.
Na idade do parto industrializado, a mãe não tem o que fazer. Ela é uma "paciente".
* Adaptado de "O camponês e a parteira", de Michel Odent