O que é o parto na água?
O parto na água consiste no nascimento do bebê com a mãe imersa em água, numa banheira ou piscina. É uma forma de nascer muito antiga. Hieróglifos revelam que os bebês que se tornariam príncipes ou princesas nasciam nas banheiras na Grécia Antiga. Existem também relatos de aborígenes australianos e ilhas do sul do Japão em que se praticava o parto na água.
O primeiro parto na água relatado na literatura médica foi realizado num vilarejo na França em 1805 e foi publicado no periódico Annales de la Societé de Medécine Pratique de Montepellie. Uma jovem parturiente permaneceu exaustivamente em trabalho de parto por mais de 48 horas. Após esse período, o seu médico, já não sabendo mais o que fazer, pediu um auxílio de uma parteira local que o orientou a colocá-la numa banheira. Imersa na água, a paciente revigorou suas forças e em pouco tempo deu a luz a um bebê saudável.
Como é realizado?
A gestante é colocada numa banheira repleta de água morna (a temperatura deve ser mantida entre 36 e 38°C para manter o conforto materno e evitar desidratação ou superaquecimento) durante o trabalho de parto. Geralmente, ela entra na banheira quando o trabalho de parto progride e a dor aumenta. Se ela entrar no início do processo, o trabalho de parto poderá demorar mais ou até ser inibido.
Orientamos, assim, que ela entre após uma dilatação do colo uterino maior que 5 cm e sentindo contrações uterinas freqüentes e intensas (mais de duas a cada 10 minutos). Recomendamos também oferecer livremente água, sucos ou chás para a gestante dentro da água.
Quais as vantagens para mãe e para o bebê?
A grande vantagem do parto na água não é o nascimento em si do bebê. Mas sim o relaxamento muscular profundo e o alívio da dor que a gestante em trabalho de parto sente ao ficar imersa em água morna. Ele acaba sendo um método natural, não farmacológico, de analgesia (controle da dor) durante o trabalho de parto. O Prof. Michel Odent, médico francês pioneiro e uma das maiores experiências em assistir ao parto na água no Ocidente, chama esse alívio da dor de “aquadural” (substituiria a tradicional anestesia peridural no trabalho de parto).
Ocorre uma sensação de bem estar, relaxamento mental e diminuição da ansiedade, com participação ativa da gestante no processo do nascimento. As parturientes relatam uma experiência muito prazerosa após o nascimento dos bebês na água. Além disso, quando a gestante está imersa na água, ela fica num estado agravitacional relativo (gravidade específica da água=1,0; do corpo humano=0,974) e consequentemente não ocorre alterações na circulação do sangue para a placenta e na oxigenação do bebê com as mudanças de posição materna. Isso proporciona uma grande liberdade de movimentação e de posturas que ela pode adotar dentro da banheira. Fora da água, deve-se evitar a posição deitada de costas por diminuir a pressão arterial da mãe e a oxigenação do bebê no momento do nascimento.
Para o bebê, alguns autores relacionam ao parto na água como uma experiência menos traumática para o recém-nascido, proporcionando menor choque térmico, contato pele a pele imediato com a mãe e uma adaptação mais fácil à vida extra-uterina. Esses fatos são baseados mais em teorias e experiências de profissionais que assistem ao parto na água, devido à escassez de trabalhos científicos nessa área.
Quais os riscos do parto na água?
Os principais riscos atribuídos ao parto na água incluem o risco de infecção para mãe e para o recém-nascido, o risco de hemorragia materna pós-parto, o risco de asfixia neonatal e o risco neonatal de aspiração de água (afogamento). Existem poucos casos descritos na literatura médica dessas complicações.
Nenhum estudo científico conseguiu demonstrar aumento significativo de algum desses riscos com a imersão na água. Em relação à assistência ao parto, as manobras obstétricas extrativas na presença de urgências no momento do nascimento do bebê são dificultadas ou impossibilitadas. Por isso, deve-se evitar assistir ao parto na água de gestantes diabéticas ou com bebês muito grandes (mais de 4 Kg pelo peso fetal estimado ao Ultra-som durante o pré-natal) Além disso, o sangramento uterino durante a saída da placenta é difícil de ser quantificado na água e por isso a dequitação placentária (retirada da placenta) deve ser realizada fora da água.
O recém-nascido pode se afogar?
Em relação à aspiração de água pelo bebê, alguns casos têm sido relatados na literatura. Em ovelhas, estudos experimentais revelaram que os mecanismos inibitórios que evitam a respiração até o contato com o ar externo podem ser suprimidos com a diminuição sustentada da oxigenação (hipóxia).
Na teoria, portanto, alguns recém-nascidos com hipóxia crônica não diagnosticada poderiam aspirar debaixo d’água. Por isso, a presença de líquido amniótico meconial (o conteúdo intestinal do bebê é eliminado no líquido amniótico e ele é tingido de uma cor esverdeada) e /ou alterações no ritmo de batidas do coração do bebê são uma contra-indicação ao parto na água. Esses estudos têm revelado também que a temperatura ambiente e não o contato com o ar externo seria o principal estímulo para o início espontâneo da respiração do recém-nascido.
A temperatura fetal é em média 0,5 a 1,0 º C maior que a temperatura materna e do líquido amniótico e com o nascimento e a queda de 1 a 2 ° C na temperatura corporal fetal ao entrar em contato com o ar ambiente, haveria estímulo para o início dos movimentos respiratórios. Por isso, no parto na água, é muito importante criarmos um ambiente térmico neutro através da monitorização constante da temperatura da água entre 36 e 38 ° C. Devemos, portanto, averiguar periodicamente o bem estar do feto durante o trabalho de parto para se evitar essa complicação. Qualquer alteração, a gestante deverá ser retirada da banheira.
O pai pode participar?
Sim. Ele também pode entrar na banheira, se desejar; ou participar, junto do profissional que assiste ao parto, do nascimento de seu bebê. Temos auxiliado o pai na retirada do bebê de dentro da água após o nascimento. Assim, ele tem o prazer de ser a primeira pessoa a ter contato com o bebê após a saída do ventre materno.
Qualquer mulher pode ter um parto na água?
Não. Nas seguintes situações, não é aconselhável o parto na água:
• Gravidez de alto risco;
• Parto prematuro (menos que 37 semanas de gestação);
• Evidência de febre materna e/ou infecção não tratada (Herpes, HIV+ ou Hepatite C);
• Sinais de comprometimento do bem estar do bebê dentro do ventre materno;
• Sangramento vaginal excessivo;
• Gestante com cesárea prévia;
• Rotura da bolsa dágua com liquído meconial ou sanguinolento;
• Bebê em posições anômalas dentro do ventre (pélvica, por exemplo);
• História prévia de partos muito difíceis devido bebês muito grandes ou bacia materna estreita.
Existe uma preparação para este parto?
A preparação é a mesma para o parto fora da água. Recomendamos a leitura de alguns livros sobre o tema:
- O Parto na Água: Um guia para pais e parteiros, Cornelia Enning Ed. Manole;
- Gravidez e Parto, Sheila Kitzinger.
Existe algum tipo de anestesia?
A grande vantagem de parir dentro da água é dispensar, na grande maioria das mulheres, a utilização dos métodos farmacológicos de alívio da dor como a analgesia peridural ou drogas opiáceas. Esses métodos podem dificultar o nascimento por interferir na intensidade das contrações uterinas ou promover depressão respiratória no recém-nascido, respectivamente. Entretanto, nada impede que a gestante receba anestesia peridural se as dores não forem aliviadas dentro da água.
Como é a reabilitação da mãe?
Alguns autores acreditam que, devido ao menor consumo de energia pelo organismo materno na água, a gestante experimenta partos menos laboriosos e têm uma recuperação mais rápida. Além disso, o relaxamento mental e muscular levam à uma aceleração na dilatação do colo uterino e uma progressão mais rápida do parto. Em relação ao períneo, devido ao efeito hidrostático e ao relaxamento da musculatura perineal, ocorre menor incidência de lacerações e/ou edemas.
Texto escrito pelo Dr. Lucas Barbosa da Silva, Médico do Hospital das Clínicas da UFMG e Hospital Sofia Feldman.